A história do Mega Drive – introdução
O 16-bit da Sega ficou marcado por jogos clássicos, liderança de mercado, apostas e uma guerra feroz com a Nintendo.
Lançado em 1988 no Japão, o Mega Drive (Genesis nos Estados Unidos) foi um dos maiores impactos da história dos videogames. Conseguiu se intrometer num mercado praticamente monopolizado pela Nintendo, e durante boa parte de sua vida útil, manter-se à frente da rival no maior mercado do mundo, o americano. Inimaginável pouco antes, já que o domínio do NES sugeria que na próxima geração, a "casa de Mario" sapatearia de novo na cabeça dos demais.
Parte da quarta geração, o hardware foi desenvolvido por Hideki Sato [biografia] como um sistema 16-bit por decisão do presidente da Sega, Hayao Nakayama [biografia]. Sua base foi a placa System 16, popular no arcade com títulos como Golden Axe, Altered Beast e Shinobi. Não por coincidência, depois portados para o aparelho doméstico.
Apesar do início morno, a sorte virou com dois fatores: a chegada do executivo Tom Kalinske [biografia], e a criação do mascote Sonic the Hedgehog. A Sega da América apostou em marketing agressivo e direcionado a um novo público: enquanto a Nintendo focava nas crianças, eles abordariam os fãs de arcades. O Genesis deslanchou e virou fenômeno, seguindo uma estrada cheia de glórias e percalços. Foram de um traço nas vendas a ter o produto mais popular; de fracassados dispositivos como o 32X aos jogos inovadores como Sonic & Knuckles.
Uma série de erros levaria ao fim prematuro do Mega Drive, enquanto a Nintendo aproveitou para reconquistar a liderança. A Sega se salvaria da falência por pouco, mas durante a guerra dos 16-bit, grandes e permanentes mudanças ocorreram na indústria de videogames, que pela primeira vez superou o faturamento do cinema. Surgiu um sistema de classificação etária de jogos, desenvolvedores ganharam mais liberdade, evoluiu o marketing dos lançamentos, e houve um amadurecimento de forma geral, tanto de empresas quanto público.
Desenvolvimento
O videogame doméstico havia sido resgatado com o NES, fenômeno que fez o Atari 2600 parecer um sonho distante. Já a Sega havia fracassado com seu console 8-bit, o Master System, mas era um nome importante dos arcades.
Como lembraria Sato1:
A situação não era melhor nos Estados Unidos. "Oficialmente dizíamos que a Sega tinha 10% do mercado e a Nintendo 90", lembrou Shinobu Toyoda2, o então vice-presidente da Sega da América. "A verdade é que a Nintendo tinha 94% de participação no mercado com o sistema NES deles. A Sega tinha só 6%.SG-1000: console da Sega seria base de atualizações que levaram ao Master System, mas todos falharam em conquistar mercado. Seu legado foi mudar a mentalidade da empresa, até então muito identificada como produtora de arcades.
Apesar disso, o Master System mudou algo na mentalidade da Sega. Antes viam o setor como um bônus, algo a mais para fazer dinheiro enquanto se entendiam como produtores de arcades. "A empresa finalmente viu consoles como oportunidade de negócio graças ao SG-1000*", explicou Sato. Em meados de 198619 começaram a projetar o sucessor: algo que conseguisse competir com o Famicom / NES, e que levasse para casa os jogos dos arcades com boa qualidade a um preço acessível.
Se aproximava o fim da década de 1980 e o Famicom não tinha gás para liderar por muito mais tempo. Surgiam concorrentes mais modernos como o PC Engine; a necessidade de uma nova família de hardware era clara. Já a Sega vinha bem nos arcades com a System 16, placa de títulos como Altered Beast e Shinobi. Se conheciam o potencial da plataforma, usá-la como base do próximo console era o passo natural. Sob comando do presidente Nakayama, o projeto começou de forma secreta, com Sato incumbido de criar uma versão reduzida e doméstica da System 16.
O chefe de design do Mega Drive foi Masami Ishikawa, que também comandou o time de design do Mark III. "Eu fui a única pessoa no comando do projeto, mas quatro outras pessoas se envolveram durante o processo de depuração, depois do qual acho tivemos um assistente em tempo integral." Hideki Sato era o gerente geral e embora as divisões de console e arcade ficassem no mesmo andar, não havia consultas entre eles. "Os departamentos de arcades e consoles eram formados por divisões menores, como a divisão técnica, que eu consultaria para ter conselhos", contou Ishikawa.
Segundo Ishikawa19, desde o início as metas eram obter o desempenho básico dos arcades System I, System II e System 16, e principalmente preservar a compatibilidade com os jogos do Mark III enquanto maximizavam o desempenho gráfico. Sato sabia que para cumprir a ousada meta, só fazendo algo mais que o NES.
"Precisávamos de uma CPU 16-bit, para assim converter jogos do arcade", lembrou Sato. O processador escolhido foi o MC68000* — mas apesar de quase dez anos desde o lançamento, ele ainda era muito caro. Ao decidir empregá-lo, o preço de cada aparelho fabricado daria um salto.
A vantagem era óbvia: a semelhança com os arcades. "Acho que a decisão final foi do gerente da época, Sato-san, que mais tarde seria presidente da empresa", contou Ishikawa19. "Ao usar o 68000 poderíamos tirar vantagem de recursos de programação já disponíveis para uso no arcade, além do hardware — componentes de barramento, software e código — ser relativamente mais simples de se acostumar".
A solução foi negociar a compra de muitas unidades. Sato explicou em 1998 3:
Graças à aquisição dessas 300 mil unidades iniciais — com possibilidade de aumentar o pedido para 500 mil ou até 1 milhão de processadores — a Sega conseguiu um desconto fantástico de 90%. Anos depois, com milhões de Genesis vendidos, a Motorola pagaria um tipo de bônus à parceira, algo "que se destaca como outra lembrança feliz" da época para Sato.
O MC68k, comum em poderosas estações de trabalho e computadores domésticos, era muito veloz. Para se ter ideia, era quase duas vezes mais rápido que o processador do Super Nintendo, lançado quase dois anos mais tarde. A Sega fez questão de que o Mega Drive fosse compatível com os cartuchos do Master System através de um simples adaptador. Se não trazia muita vantagem, considerando o flop do Master, era uma atitude de respeito e busca de fidelização dos clientes.
Para a compatibilidade, a Sega teria que incluir o processador 8-bit Z80 da Zilog. Mas não seria muito útil tê-lo no sistema caso o usuário não fosse jogar games do Master System. A arquitetura foi então modificada para aproveitar melhor o componente, reduzindo o possível sobrepeso do processamento central caso ficasse com todas as tarefas. "Separamos a CPU entre um componente gráfico e um de som para reduzir o estresse no programa", explicou Ishikawa. "Quando o Mega Drive estivesse no modo Mark III, estaria principalmente rodando no Z80, mas no modo Mega Drive, o Z80 seria usado para o som".
O sistema de áudio também teve um chip extra, um TI SN76489. O principal foi o Yamaha YM2612 — chips da Yamaha vinham sendo usado em arcades. O Texas Instruments teria função de manter a compatibilidade com jogos do SG-1000 e Mark III.
O sistema finalizado tinha pontos fortes e também fraquezas. Manter certas características que o time de design gostaria teria elevado o preço final do produto. Uma das mais óbvias era a paleta de cores pobre em comparação aos arcades, "mas ela permitia criar sombras com o mesmo formato dos personagens e também era capaz de semitransparência", explicou Ishikawa antes de justificar que uma paleta maior implicaria aumento da estrutura do circuito.
Perto do fim do processo de design, o rumor de que a Nintendo lançaria o Super Famicom levou a Sega a fazer pequenas mudanças no projeto. "Meu gerente me pediu para considerar dobrar a capacidade de memória gráfica para melhorar drasticamente o desempenho do console", lembrou Ishikawa. Embora tenha conseguido, o resultado foi na prática quase insignificante. "Aprendi a dura lição: designers devem imaginar todas as eventualidades que podem surgir mais tarde no processo, e então desenhar de forma que possa fazer mudanças depois".
Dois recursos que mais tarde seriam importantes no marketing do rival Super Nintendo estavam nos planos dos designers do Mega Drive: rotação e escala de sprites.
Segundo Ishikawa:
A primeira citação pública ao Mega Drive foi na Beep!4, em junho de 1988, com um desenho não-oficial; o nome usado pela revista japonesa foi Mark V, embora o nome interno de projeto fosse Mk-1601. Após mais de 300 nomes propostos, finalmente a Sega escolheu Mega Drive, criado por Nakayama6; segundo ele, "Mega" representava a superioridade sobre os rivais, e "Drive", a velocidade do MC68000.
Hiroshi Yamauchi [biografia], presidente da Nintendo, não considerava a Sega uma ameaça. Preocupava mais o PC Engine e a união entre NEC e Hudson investindo pesado em pesquisa e desenvolvimento4. O Mega Drive era visto — inclusive pela mídia — um passo abaixo do PC Engine, um azarão.
Como um muscle car
Um dos envolvidos na criação do visual icônico do Mega Drive foi Mitsushige Shiraiwa. "Primeiro ajudei colegas veteranos no desenho de mecanismos interiores e exteriores", lembrou o designer então recém-saído da universidade. "Eram cinco ou seis pessoas da Sega no grupo de design, que trabalhava em cooperação com um terceirizado. O design final desse grupo terceirizado foi o adotado"2.
A região circular "representa a ideia de que o Mega Drive está expandindo o mundo do entretenimento", contou Shiraiwa. O aparelho não devia ser chamativo como brinquedos, mas transmitir potência e superioridade. Buscaram uma mescla de influências, como em equipamentos de áudio de alto padrão e muscle cars. Vários projetos foram considerados, todos desenhados meticulosamente à mão. Só após várias revisões o Mega Drive se concretizou em preto predominante. O botão de controle de áudio atestava a referência aos sistemas estéreo.
No topo, a assinatura: o reluzente 16-BIT em letras encorpadas e douradas, "para chamar atenção ao desempenho superior do Mega Drive, como se fosse o emblema de um carro", explicou Shiraiwa. Segundo Sato4, a indústria de consoles vivia o auge da "guerra de bits", e números maiores davam a impressão de mais poder ao consumidor:
Na versão japonesa, adicionaram também o texto "INTELLIGENT TERMINAL HIGH GRADE MULTIPURPOSE USE" em letras vermelhas ao redor do círculo principal. "Quebramos a cabeça para chegar a essa frase, mas acho que todo o trabalho valeu a pena pois ao final fomos recompensados com uma máquina que parecia muito estilosa", concluiu Shiraiwa.
Estreia no Japão
Com poucas perdas em relação ao System 16, incluindo processador de som, paleta de cores e clock — 7,67 Mhz contra 10 Mhz — em 29/10/1988 o Mega Drive era lançado4. Fruto de quase um ano e meio de desenvolvimento, tinha a dura missão: disputar espaço com o novato PC Engine e o veterano mas ainda popular Famicom. Ambos eram consoles 8-bit, mas o aparelho da NEC vinha com o diferencial do chip gráfico 16-bit. Logo, seria um concorrente na mesma geração do Mega Drive.
No mês seguinte saiu o primeiro grande título: Altered Beast. O anúncio foi feito numa festa em que o jogo era exibido próximo à versão original do arcade, e Sato disse ter "boas recordações" por notar tão pouca diferença entre elas. "Havia certo orgulho na Sega na época, e fizemos quase todo nosso próprio desenvolvimento de software. Não contávamos muito com licenças", recordou, confessando que ficou surpreso ao ver o bom nível do primeiro jogo feito por terceiros, Thunder Force II. "Suspeito que outros na Sega tenham sentido o mesmo. Aquele alto nível de qualidade do início foi uma real motivação para todos, e mais bons jogos de Mega Drive começaram a sair".
Para eles foi uma reafirmação de que não estavam errados na filosofia que tinham para o Mega Drive: "um produto de alta qualidade feito com materiais de fonte limitada. Muitos grandes desenvolvedores estrearam naqueles primeiros jogos de third-parties para o Mega Drive", concluiu Sato.
Os quatro iniciais, todos lançados em 1988, foram Super Thunder Blade, Space Harrier II, Altered Beast e Osomatsu-kun Hachamecha Gekijou — esse foi o primeiro jogo exclusivo do Mega Drive, e os outros eram conversões de arcades. Sato admitiria no fim dos anos 90 que os gráficos de Osomatsu... eram péssimos; apesar de não ser lançado fora do Japão, o jogo é lembrado na terra natal como um dos piores do sistema.
O lançamento foi modesto. Apesar da campanha promocional, não houve filas; Super Mario Bros. 3 chegou apenas uma semana antes e havia quase monopolizado o interesse do público e mídia. Mas revistas como a Beep! fizeram coberturas positivas e geraram algum interesse pelo Mega Drive. Foram vendidas aproximadamente 100 mil unidades no primeiro mês, mas apenas 400 mil em um ano.
Não bastou para fazer sombra ao Super Famicom, lançado em 21/11/1990 sob verdadeira comoção do público. O 16-bit da Nintendo aproveitou bem o domínio do Famicom e logo sufocou qualquer esboço de concorrência. "Como era nossa tradição, encaramos esse revés como um desafio", disse Sato, "e lançamos vários periféricos para o Mega Drive: o Mega Adaptor [versão japonesa do Power Base Converter], o Mega CD e o Mega Modem. Se você tivesse todos ligados, era algo incrível de se ver! Parecia que você tinha montado um tanque monstruoso", concluiu rindo.
O Mega Modem foi uma aposta na tecnologia de rede, que estava em pleno desenvolvimento. Na época, redes de PCs começavam a ganhar popularidade e a Nintendo já tinha feito uma tentativa com o Family Computer Network System. Antes deles, até o Atari 2600 teve algo parecido com o Gameline. Lançado em novembro de 1990, o Mega Modem permitia conexão a uma taxa de transmissão de apenas 1,2 Kbps, mas servia para alguns jogos, bancos online (de Nagoya e Osaka) e até um jogo de Go online pelo serviço chamado Sansan5. O kit incluía um teclado numérico e uma impressora térmica chamada Mega Printer. Mas o modem não fazia dinheiro e logo deixou de fazer sentido para a Sega. A experiência não foi totalmente desperdiçada, já que decidiram tentar de novo com o Saturn, segundo Sato.
A Sega tentou de tudo para conquistar o mercado local. Em maio de 1991, fez a primeira investida sobre usuários de computador ao lançar o TeraDrive (テラドライブ), um híbrido de Mega Drive com IBM PC desenvolvido pela Sega e fabricado pela IBM. O sistema integrado tinha CPU Intel 80286 de 10 Mhz, e os mesmos processadores do Mega Drive, mas não se saiu muito bem.
No Japão, o Mega Drive jamais passaria dos 15% de participação em seu melhor momento. Ao contrário do lado americano, a Sega não incluiu Sonic na embalagem do console assim que foi lançado, para aumentar sua base de usuários. Em vez disso, optaram por vender o cartucho à parte por 6 mil ienes. Rapidamente se tornou o jogo mais vendido da empresa no país, mas nada parecido com a "Sonic mania" que tomaria conta da América. Esse "fracasso" renderia severas cobranças de Nakayama sobre a equipe — catalisador para todos os problemas entre escritórios que viriam mais tarde.
A gênese
A chegada, contudo, não foi tão simples. Além do fracasso do Master System, outro concorrente além da Nintendo tinha fincado bandeira na América. "A NEC também lançou seu próprio sistema muito capaz no mercado americano, o 'TurboGrafx 16', como era conhecido no exterior", lembrou Sato sobre o rival. "Embora tecnicamente fosse uma máquina 8-bit, era confundida com um sistema 16-bit".
Anunciado em 09/01/1989, havia um problema para o Mega Drive americano: o nome já estava registrado nos Estados Unidos. Pertencia à Mega Drive Systems6, empresa especializada em dispositivos de armazenamento para computadores. Acabou substituído por Genesis. Houve também pequenas mudanças estéticas, segundo Sato, para adequação ao gosto ocidental:
Insatisfeitos com o trabalho da Tonka, que havia distribuído o Master System no país, a Sega procurou um novo parceiro para o marketing do Genesis. Os direitos foram oferecidos à Atari Corporation: David Rosen [biografia] fez uma proposta a Jack Tramiel, então presidente da Atari, e ao presidente da divisão de entretenimento eletrônico da empresa, Michael Katz. Tramiel recusou, achando a licença muito cara e preferindo focar no Atari ST. Restou à Sega fazer o lançamento através de sua própria incipiente representação.
O lançamento do Genesis aconteceu em 14/08/1989, restrito às cidades de Nova Iorque e Los Angeles7. Na estreia também estava disponível o Power Base Converter por 35 dólares, com a promessa para os meses seguintes do TeleGenesis Modem53. Apesar do fracasso no negócio com a Atari, Rosen viu em Katz alguém com o perfil para levar o console adiante. Além da Atari, ele vinha de experiências na Mattel e Epyx. Acabou se tornando o terceiro presidente da Sega da América (depois de Gene Lipkin e Bruce Lowery), assumindo o posto um mês após a estreia do sistema. A Sega da América era minúscula; tinha cerca de 35 funcionários, sendo a maioria de áreas como marketing e atendimento ao cliente.
"Havia uma atmosfera de empresa pequena", lembrou Katz8. Não havia muita independência, mas a Sega do Japão também não chegava a controlar totalmente as atividades diárias, na visão do executivo. Dai Sakurai e Toyoda faziam a intermediação funcionar entre os escritórios de Japão e Estados Unidos, e Katz se reportava a Nakayama através de um memorando mensal com as conquistas do mês.
Mas Katz tinha planos ambiciosos: queria conquistar ao menos 50% do mercado local. O problema ainda eram os acordos comerciais da Nintendo com desenvolvedores de jogos. A licença para publicar no NES previa trabalhar exclusivamente para a Nintendo por dois anos. Além disso, o Super Nintendo apareceria em breve, e se fizesse sucesso na América antes da Sega conquistar algum território, a batalha estaria perdida antes de começar.
O planejamento para alavancar o Genesis levou tudo isso em conta e foi baseado em duas frentes:
- Criar excelentes conversões dos arcades: parecia fácil, afinal a Sega tinha vasta experiência no setor e uma porção de jogos de sucesso. Sem contar as semelhanças entre o hardware do Genesis e as placas mais recentes de arcade.
- Produzir software focado no mercado americano: aqui a ideia era ir de encontro à cultura local, usando nomes famosos da música, cinema e esportes.
"Eu trouxe [o desenvolvedor] Ken Balthaser e construímos o primeiro departamento de desenvolvimento da Sega Estados Unidos, que se tornaria significativo em tamanho e qualidade", afirmou Katz. Assinaram contratos com celebridades e esportistas, entre eles o golfista Arnold Palmer (substituiu Naomichi Ozaki na versão localizada de Naomichi Ozaki Super Masters), Pat Riley (basquete), Evander Holyfield (boxe) e Tommy Lasorda (baseball). Os mais famosos dessa primeira leva foram o superastro do futebol americano Joe Montana, o boxeador James Buster Douglas — então celebridade por ter nocauteado Mike Tyson — e o ídolo pop Michael Jackson com a licença do filme Moonwalker.
"Os principais títulos de esporte eram os que mais vendiam no começo", lembrou Katz. Ele teve que convencer o comando no Japão a permitir que contratasse Montana, superando uma oferta da Nintendo. "Dei a ele um cheque de US$1,7 milhão de adiantamento e garantias. Foi um movimento crítico, porque demonstrou ao mercado que a Sega e o Genesis eram SÉRIOS". A franquia Joe Montana gerou só ao esportista, nos três anos seguintes, uma receita líquida de US$3,5 milhões.
Os primeiros comerciais foram feitos pela agência de publicidade Bozell, da qual veio a icônica campanha Genesis Does What Nintendon't ("O Mega Drive faz o que a Nintendonão", numa tradução mais ou menos literal), ainda sob a presidência de Katz. O executivo era um veterano em se tratando dessas abordagens agressivas. "Comecei como gerente de marca na Lever Brothers e competimos contra a Proctor and Gamble". Depois, como vice-presidente de marketing da Coleco, participara da primeira campanha competitiva de videogames contra a Mattel (na disputa entre Mr. Quarterback e Mattel Football 1). Ironicamente, ele mesmo havia erguido o setor de portáteis da Mattel como diretor de marketing anos antes.
A Criação de Sonic
Na transição para os Estados Unidos, a Sega já sabia que precisava de um novo mascote. O mais próximo disso até então, Alex Kidd, não tinha o destaque necessário. Nakayama queria algo que pudesse enfrentar Mario, e a empresa começou uma competição interna para criar o novo personagem.
O designer Naoto Ohshima esboçou diversos candidatos, entre eles um coelho, um homem com cabelo espetado (com óbvia influência dos Simpsons) e um ouriço. O favorito inicial era o coelho, que percorreria as fases pegando itens com as orelhas e os jogando contra os inimigos. Ohshima se aproximou do programador Yuji Naka [biografia] e do designer Hirokazu Yasuhara, e o projeto progrediu.
O coelho, travado para o tipo de jogabilidade que queriam, deu espaço ao ouriço. A Sega imaginava que ganhando o mercado americano, o sucesso se refletiria no japonês. Por isso misturaram influências como O Gato Félix, Mickey Mouse e Michael Jackson para criar "Mr. Needlemouse", depois chamado de Sonic the Hedgehog. O nome surgiu quando um membro da equipe de Naka, durante a exibição de uma das primeiras demos9, comentou que o personagem era "supersônico".
Mark Cerny, diretor-técnico da Sega da América, ia com certa frequência à sede no Japão, e lá foi abordado por Ohshima10, que buscava uma opinião americana sobre aqueles primeiros esboços de personagens. Cerny achou melhor fazer cópias coloridas daquilo e enviar ao time do marketing nos Estados Unidos, com um pequeno aviso de que se tratava do trabalho da "elite" do time do Japão e que eles precisavam de uma opinião.
O resultado foi menos que entusiástico, segundo ele:
Katz admitiria mais tarde que subestimou o potencial de Sonic como personagem, mas o resultado o surpreendeu por ter uma jogabilidade sólida. "Sei que pensei que era loucura, quando buscávamos uma conscientização ampla e direcionada em tudo o que fizemos, que os japoneses desenvolvessem um jogo baseado num tipo de personagem — um ouriço — que nenhuma criança nos Estados Unidos na demografia dos 6 aos 16 anos teria alguma familiaridade".
Sai Katz, entra Kalinske
O começo do Genesis ficou abaixo das expectativas do Japão. A matriz havia definido a meta de vender um milhão de consoles nos primeiros seis meses. A parte americana só conseguiu metade, e assim Katz perdeu o comando, como lembraria anos depois:
Apesar da saída prematura, muitas das decisões que levaram ao posterior sucesso do Genesis foram tomadas durante o comando de Katz. Muito disso foi esquecido, algo que ele lamentaria8 em 2006:
Katz não agradava o comando. Nakayama achava excessivos os gastos com celebridades e não gostava das campanhas agressivas, avessas às práticas japoneses. Decidiu que era o bastante para mudar. Lembrou de um conhecido de longa data, que não só parecia a pessoa certa como estava desempregado: Kalinske. Eles se conheceram quando o americano, então na Mattel, negociou a produção de mini-games baseados em sucessos dos arcades da Sega. O negócio não prosperou por limitações técnicas da Mattel, mas Nakayama gostou do estilo e de quanto Kalinske conhecia bem o mercado de brinquedos. Os dois se tornaram contatos, mantendo relacionamento amigável.
O maior trabalho de Kalinske na Mattel havia sido no marketing de brinquedos como a boneca Barbie, que praticamente reergueu ao estrelato após diversificar a linha. Sua única aventura em algo próximo aos videogames foi com os simplíssimos portáteis da Mattel, mas logo que fizeram algum sucesso, foram tirados de sua mão: a empresa abriu uma divisão especializada que faria o primeiro console da casa, o Intellivision.
Kalinske vinha de momentos turbulentos na carreira. Depois de chegar à presidência da Mattel com apenas 38 anos, esteve no meio de uma feroz disputa interna. Preferiu sair para trabalhar na fabricante de modelos em miniatura Matchbox — concorrente direta da linha Hot Wheels, da Mattel. Havia certa vontade de "revanche", mas se demitiu, frustrado ao perceber que não conseguiria fazer da marca a número um do segmento.
Um tanto desorientado, resolveu tirar férias com a família enquanto decidia o que faria a seguir. Kalinske contou11 de forma prosaica seu encontro nada casual com Nakayama:
Nakayama foi ao Havaí só para recrutar Kalinske, que a princípio não estava disposto a interromper suas férias. Durante o diálogo, chegou a pedir "ajuda" da filha Ashley, então com cinco anos, esperando que ela o desaconselhasse a acompanhar Nakayama. Mas a menina fez o contrário. "Minha filhinha me salvou", contou Kalinske12 relembrando a cena. "Estávamos conversando e eu resistindo em acompanhá-lo, então ela me disse [em voz enfática] "Papai, você tem que ir com ele! Ele veio desde o Japão até aqui, você precisa acompanhá-lo!", e isso me salvou".
Kalinske conheceu o laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento da Sega, onde ficou impressionado não só com o Mega Drive: o Game Gear parecia um assombro de tecnologia frente ao Game Boy. Tudo era incrivelmente superior ao visto em seu último contato com videogames, na Mattel.
No ano seguinte ele assumia o comando da Sega americana. "Fui levado e me disseram que eu deveria substituir Katz, então foi meio que difícil pra mim porque Mike e eu éramos amigos", disse Kalinske13 lembrando da contratação. "Eu o conhecia dos meus tempos na Mattel, mas era claro que mesmo que ele sentisse que não estava sendo controlado [pela Sega do Japão], uma das razões de terem me levado é que me queriam para se livrarem dele".
A meta inicial era aumentar a participação no mercado local. Felizmente para eles, em 1990 terminou a validade14 dos contratos tirânicos da Nintendo com desenvolvedores graças à pressão do congresso americano, do departamento de justiça e dos processos movidos por ex-parceiros que se sentiam acorrentados. Eles puderam enfim trabalhar com a Sega, e a sorte começava a virar.
Mudanças de estratégia
A ideia de Kalinske para o marketing não era tão diferente do antecessor: ser agressivo contra a Nintendo. Embora Katz fosse o presidente no início da campanha Genesis Does, todo o resto é vastamente creditado ao sucessor, como o Sega Scream (o grito "Sega!" dos comerciais) e as chacotas e comparações com produtos da rival.
Mas ao se inteirar sobre o que vinha sendo feito, Kalinske concluiu13 que quase tudo na gestão de Katz estava errado e por isso o Genesis não deslanchava. Foi ao Japão e colocou as cartas na mesa:
Em outra ocasião, Kalinske lembrou4 que para ele, Altered Beast "soava como adoração ao demônio" e portanto não era o produto adequado para ser o carro-chefe do Genesis. Suas sugestões eram avessas aos métodos japoneses, mas Nakayama o buscou porque depositava nele grande confiança. Temiam reduzir preços ou colocar Sonic, ainda em desenvolvimento, no pacote do console assim que fosse lançado, como ele queria.
Houve desaprovação total das sugestões pelo conselho da Sega. Kalinske recordou a cena:
Os comerciais passaram a mostrar o Genesis como a tecnologia de arcades em casa. Criações da Nintendo eram tachadas sem pudor como brinquedos sem graça, enquanto a Sega era descolada e jovem. Verdade ou não, gradualmente o resultado apareceu graças a seu afiado time de marketing, que fez de tudo: rodou o país com stands em shoppings, patrocinou uma estação de rádio e eventos beneficentes, e principalmente: dialogou com adolescentes.
A Nintendo tinha tanto controle sobre revendedores que até gigantes como o Walmart temiam vender o Genesis no começo. Para forçá-los a mudar, a Sega "invadiu" a cidade da sede da rede varejista, Bentonville, a transformando no "Segaville"15. Foram instalados outdoors e anúncios por toda a cidade; havia uma grande loja onde o público podia jogar o Genesis de graça, mas não comprá-lo. Se quisessem, deveriam ir ao Walmart, que naturalmente não tinha o Genesis. Os clientes reclamavam, e assim Kalinske esperava vencer. A tática levou meses para funcionar, até que enfim a Sega recebeu um pedido. Logo toda a rede Walmart distribuía os produtos da Sega pelo país.
Kalinske também queria outro jogo acompanhando o aparelho. Um mascote que refletisse o ideal da máquina, fosse veloz como o processador, radical como os adolescentes. Que não fosse infantil como um encanador simpático que salva a princesinha. Sonic era o cartucho que ele queria na embalagem do Genesis.
O fenômeno azul
Apesar da saída de Katz inutilizar suas opiniões sobre o projeto Sonic, Japão e América voltariam a discordar dos rumos do ouriço na gestão de Kalinske. Pelo projeto original de Ohshima, o mascote seria mais agressivo. Sonic tocaria numa banda de rock, teria presas visíveis e uma namorada ou interesse romântico humana: uma loira de cabelos curtos e vestido vermelho, chamada Madonna.
Quando o design chegou aos americanos, foi um choque. Não era polido, amigável; jamais agradaria ao público médio local. Madeline Schroeder, gerente de produto da Sega da América, a duras penas convenceu os japoneses a suavizar o design para torná-lo mais palatável a ambos os mercados. A namorada se foi, assim como as presas e referências à banda de rock. O desenho de Sonic era diferente, com mais espinhos — que foram removidos, dando-lhe o visual arredondado e definitivo.
A "intromissão criativa" causou certo desgaste. Naka minimizaria mais tarde essa participação decisiva de Schroeder16, alegando que Madonna foi só um esboço, removida para evitar o clichê da donzela em apuros de Mario e Peach, e não porque os americanos pediram. Foi só uma das primeiras diferenças entre escritórios, algo que se acentuaria gradualmente nos anos seguintes.
Lançado em junho de 1991, Sonic tinha tudo que o Mega Drive precisava. O personagem agradava crianças e adolescentes, num jogo bonito e estonteante. A Nintendo abriu os olhos de vez para a ameaça; o presidente da parte americana, Minoru Arakawa, teria dito de forma privada que naquele ano "a maré virou para a Sega". O vice-presidente Howard Lincoln foi forçado a opinar sobre Sonic durante o julgamento do caso Tengen*, dizendo que "eles criaram um jogo e tanto, farão uma concorrência muito forte".
A partir de Sonic, a Sega tinha tudo nas mãos. Vendendo o Genesis como a coisa mais legal do mundo, convertendo seus excelentes arcades e com um acervo crescente de jogos de esporte, a imagem do console subiu como um foguete. A Nintendo confiou na prorrogação do NES e na insignificância do inseto que insistia em importuná-la. Grave erro: em agosto de 1991, quando o SNES foi lançado (seis meses antes do previsto e um mês antes de Sonic), o Genesis já tinha vendido mais de um milhão de unidades.
"A gigante ficou dormindo por dois anos", avaliou Bishop Cheen, então analista sênior da empresa de consultoria Kagan Associates, em 1993. "Acordaram e era muito tarde."
Provocações e sucesso
A Sega não media esforços para bombar a popularidade do Genesis, e com o SNES na praça, tomaram a medida que parecia loucura: colocar Sonic, jogo mais esperado e preparado da casa, no lugar de Altered Beast na embalagem. Quem comprasse um Genesis ganharia Sonic.
Mas tinham um problema: quase 150 mil videogames com Altered Beast estocados nos galpões da empresa e outros 100 mil com os revendedores. Se o Genesis com Sonic fosse distribuído imediatamente, acabariam com um encalhe do pacote original.
Foi então planejado um calendário de promoções entre junho e setembro. Primeiro baixaram o preço do pacote Genesis com Altered Beast, depois veio uma promoção oferecendo o cartucho Sonic aos clientes que compraram esse kit, e enfim introduziram o pacote Genesis + Sonic. No que sobrou, revendedores foram instruídos a retirar os Genesis da caixa e colocá-los numa nova com Sonic e Altered Beast juntos, ao preço de um. Clientes ficavam felizes enquanto Sega e lojistas se livravam do estoque reduzindo perdas.
Enfim era o pacote que Kalinske queria. As vendas dispararam e Sonic se transformava num ícone pop, tão conhecido quanto personagens de quadrinhos.
Em 1992, a Sega assinou com uma das maiores empresas de propaganda do país, criadora o lendário slogan "Just Do It" da Nike; surgiu a campanha "Welcome to the Next Level". Os ataques à Nintendo e o hype do próprio catálogo eram sem limite, e às vezes até baseados em fatos tecnicamente imprecisos. Quase por acaso surgiu um dos slogans mais marcantes do período: o Blast Processing. Cunhado pelo diretor-técnico Scot Bayless18, se referia a um truque de programação que nunca foi usado efetivamente, mas virou frase de efeito para o marketing do Genesis.
A Sega não tinha vergonha de colocar lado a lado hardware e software, fosse em eventos ou mídia, como na memorável campanha da corrida: num dragster*, um Mega Drive rodando Sonic 2, Ecco the Dolphin e outros sucessos, contra uma pesada van com SNES rodando Super Mario Kart.
Nakayama não gostava14, e não entendia porque o americano comparava em público seu console dois anos mais velho com uma máquina recém-lançada. Ainda assim, a matriz não se intrometeu nas decisões. "Nakayama entende claramente que em Roma, você deve ser como os romanos", disse Toyoda em junho de 1993. "Temos autonomia na Sega da América".
Kalinske teve a inspiração num quarto de hotel, quando distraidamente assistia TV. Um comercial mostrava dois homens praticando bungee jump, numa comparação do tênis Rebook Pump com a marca rival, o Nike Air. A partir dali, se convenceu de que acirrar a disputa com a colossal Nintendo era a melhor estratégia — ainda que soasse suicida ao patrão no outro lado do Pacífico.
Crescimento e domínio
Em menos de dois anos, a Sega saiu de 6% de participação no mercado para surrar a Nintendo e estar no centro das atenções. No embalo, vários padrões da indústria estavam mudando. O número de Genesis na mão dos usuários saltou de 1 milhão em 1991 para mais de 12 milhões em 1993; com um acervo sólido e preço atraente, chegaram a 60% de participação contra 37% da rival no fim do ano.
A indústria de games superava a do cinema em US$300 milhões, movimentando US$5,3 bilhões. A Sega pulou de um faturamento bruto de US$813 milhões em 1989 para US$3,6 bilhões em 1993. Seus jogos vendiam numa proporção estimada de 1,3:1 frente aos da Nintendo. E mais importante: o perfil de seus jogadores era diferente. Segundo a Electronic Arts, a idade média de seus consumidores no Genesis era 20 anos. No Super Nintendo, 13.
Fundada por 35 membros, a Sega da América passava dos 700, sendo 40 só no setor de pesquisa e desenvolvimento. Com a popularidade, as fontes de dinheiro começaram a se diversificar. "Tivemos vários brinquedos. Eles eram mais importantes no Japão do que foram nos Estados Unidos", lembrou Kalinske21. "Na verdade, a Sega costumava vender algumas de suas criações para a Hasbro e outras empresas. Acho que fizemos entre 20 e 30 milhões de dólares com a Sega Toys". Sonic tinha uma animação transmitida na TV seis dias por semana, e era o terceiro personagem mais reconhecido por meninos no país, atrás só de Michael Jordan and Arnold Schwarzenegger.
Investindo em mídia, parques temáticos e tecnologias como rede e realidade virtual, a Sega despontava como uma nova Disney. Dizia a revista Wired14 em 1993:
Agora que a Sega é uma empresa de US$ 3,6 bilhões com uma garra firme em sua televisão, quais os próximos alvos? Nada menos do que toda a variedade de entretenimento interativo — entregue através de seus cabos ou linhas telefônicas, por seu headset Sega VR, pela próxima geração do Genesis e, se você realmente quiser ir a algum lugar, pelos inúmeros parques temáticos da Sega espalhados por todo o país. Dentro de cinco anos, você (e seus filhos, caso decida levá-los) poderão talvez gastar cada dólar do orçamento de lazer em sua carteira numa das experiências com a marca Sega — televisão, "VRcades", games, até brinquedos.
Parceria com a EA
Desenvolvedoras vinham de anos de "parceria" autoritária com a Nintendo. Alguns não escondiam o desejo de ver a Sega (ou qualquer concorrente) crescer ao ponto se tornar opção rentável e sem tantas amarras. Além de Trip Hawkins, outro que abominava tais termos era Bing Gordon, também da Electronic Arts. Quando buscaram licença de criação para o NES, foram surpreendidos por condições draconianas22: além de comprar o kit de desenvolvimento por um valor absurdo, a Nintendo decidiria se o jogo concluído poderia ou não ser fabricado.
"Espere, nós gastamos todo esse tempo e fizemos um jogo mas não sabemos se ele poderá ou não ser levado ao mercado?", Gordon lembrou de perguntar a um representante da Nintendo33. "Eles disseram 'Isso mesmo, e se decidirmos levá-lo ao mercado, faremos a fabricação e diremos a você quantos vamos comprar. Você nos paga metade dos custos e então fabricaremos quando acharmos melhor. Quando estiver pronto no Japão você nos pagará a segunda metade do custo e nós o lançamos, e você decide como vai fazer a distribuição".
Por isso o sucesso da Sega foi visto como uma possível "libertação", com termos muito mais amigáveis. Mas a maior parte dos programadores não conhecia bem o hardware 16-bit, e pior: havia uma demanda enorme por kits de desenvolvimento do Genesis. A Sega não dava conta de atender todos tão depressa.
A EA era mais conhecida como produtora de software para computadores, então não tinha prioridade no recebimento. O perfil de seus jogos era parecido com o que a Sega buscava, ou seja, um público mais adulto. "A ideia era fazer games para gente de 28 anos quando todo mundo os fazia para 13 anos", explicou Gordon. E na verdade eles nem se interessavam tanto assim: viam os computadores como o futuro, ainda mais depois do crash de 83. Mas o NES vinha pouco a pouco concentrando tudo ao redor dele e não parecia sensato continuar ignorando o setor de consoles.
"O Nintendo saiu e sentimos que era sujo e um tipo de passo atrás", admitiu Gordon. "Tivemos sentimentos mistos em relação à empresa. Alguns diziam 'Vocês não entenderam, é muito mais divertido'. Meninos do ensino básico e de repente presidentes estavam jogando os games em vez de só os nerds". A maioria do comando da empresa começou a pressionar Hawkins para aproximar a EA do NES, mas ele não estava tão disposto a aceitar as condições da Big N. Além daquelas todas, o contrato padrão previa que a Nintendo receberia no mínimo US$12 em cada jogo vendido por um licenciado, que cada jogo passaria por um processo exaustivo de revisão antes da publicação, e limitava a quantidade de jogos que um licenciado podia publicar por ano — normalmente cinco.
Hawkins acreditava no Genesis, então ainda nem lançado na América, e tinha esperança de fazer com ele uma grande entrada no setor de consoles. Não teriam o mar de exigências da Nintendo, e trabalhariam com um hardware não tão diferente de computadores como os Mac e Amiga em que já lançavam seus jogos. "Os sistemas de 8 bits eram bastante limitados, mas ouvi falar dos planos da Sega de 16 bits", contou27 em 2006. "Provavelmente fui o primeiro americano a "entender" o Genesis. Tive muita experiência pessoal com o processador Motorola MC68000 [...] Na verdade, tínhamos uma boa biblioteca de tecnologias e produtos que rodavam no 68000. Fiquei muito animado quando soube da estreia no outono de 1988 do Sega Mega Drive no Japão, que chegaria aos EUA no outono de 1989 como o Sega Genesis".
A EA procurou a Sega. "Dissemos 'Vocês estão chegando com esse sistema e não estão em lugar algum'", lembrou Gordon do contato. "'Vamos fazer um monte de jogos, mas vocês precisam nos dar uma licença diferente da Nintendo porque não estão em lugar algum. Somos seu único parceiro'". Michael Katz, porém, planejava aplicar os mesmos tipos de restrições da Nintendo aos parceiros. "A Sega disse 'Não. Seremos tão importantes quanto a Nintendo e não vamos recuar'", contou Gordon. As negociações continuaram por quase um ano, até que um executivo da Sega teria dito com todas as letras "Se quiserem um acordo diferente, terá que fazer engenharia reversa do sistema, não é?".
Gordon não respondeu nada, mas a proposta em tom de desafio não soava tão ruim. A EA rapidamente estudou o Mega Drive, com dois dos principais engenheiros — Steve Hayes e Jim Nitchals — liderando dois times que fariam a engenharia reversa no console. Uma equipe fazia o trabalho "sujo", ou seja, hackear o sistema e entender como ele funcionava; já a equipe "limpa" era apenas instruída sobre como desenvolver software para aquele ambiente. O trabalho foi cuidadosamente acompanhando por advogados, que cuidavam a cada etapa para que a EA não ultrapassasse nenhum limite óbvio, o que fatalmente resultaria num processo perdido.
Após alguns meses tentando montar o quebra-cabeça que era um sistema desconhecido, Nitchals descobriu quase sem querer a solução. "Ele pensou consigo mesmo 'Se eu estivesse fazendo isso, talvez colocasse nesse local da memória'", lembra Gordon. Funcionou, e a EA ganhou controle total sobre o funcionamento do Genesis. Criaram seu próprio devkit28 e em 1990, já tinham o Sega Genesis Probe, ou apenas SProbe.
"Em algumas semanas, decidi que deveríamos ter uma abordagem agressiva de suportá-lo através de uma estratégia de engenharia reversa, para que não precisássemos de uma licença. Lançamos nossos primeiros jogos no Genesis em junho de 1990", lembrou Hawkins. A Sega foi informada na noite anterior à abertura da Winter CES daquele ano, em fevereiro. "Basicamente dissemos 'Vamos aplicar nosso próprio programa de licença a não ser que aceitem nossos termos'", contou Gordon.
Claro que a Sega não gostou daquilo, pois estavam confiantes em criar um novo monopólio no mercado, agora com o Genesis. Os termos que haviam preparado para parceiros não devia muito ao que a Nintendo vinha fazendo há anos. "Eles [Sega] diziam a você quantos games poderia lançar em um ano. Eles tinham que aprovar os games, e então os testariam e fabricariam", lembrou Geoff Brown, fundador da US Gold34. "Isso aumentava suas despesas de forma fenomenal. Se você fosse um publicador pequeno, simplesmente não conseguiria".
Mas a EA tinha uma carta importante na manga. Se resolvessem vender a tecnologia de seu kit de desenvolvimento para terceiros, a Sega perderia completamente o controle sobre a produção de software para o Genesis, sem receber um centavo e incapaz de mover tantos processos. "Isso [o kit de desenvolvimento] me deu muita influência na negociação de uma licença razoável, o que fiz em 1990", admitiu Hawkins.
A reunião durou a noite toda. A Sega protestou, ameaçou, mas enfim cederam e a EA se tornaria a primeira grande desenvolvedora americana licenciada oficial do Genesis. Segundo o acordo, poderiam criar quantos jogos quisessem, fabricá-los à vontade e pagando uma fatia bem menor que a exigida pela Nintendo como royalties.
Com um investimento inicial de US$ 2,5 milhões, criaram dez jogos para o Genesis, alguns originais e outros conversões de seus jogos já lançados para computadores. Em junho foram lançados os primeiros: Populous e Budokan. Logo viria uma nova versão de John Madden Football, lançado originalmente para Apple II em 1988. No Genesis, o jogo se tornou mais focado na ação do que na estratégia. Se tornaria uma das séries mais populares do console nos Estados Unidos.
O acordo foi muito benéfico para a EA; 25% de todos os lucros da desenvolvedora em 1990 vieram do Genesis26. No ano seguinte, quatro dos dez jogos mais vendidos eram da EA. A linha EA Sports criaria alguns dos jogos mais populares do Genesis e do Mega Drive, como as franquias NHL, NBA Live e FIFA. Títulos de esporte funcionavam muito bem no hardware do Genesis, e a EA explorou essa característica. Com exceção de FIFA, ficaram entre os mais vendidos nos Estados Unidos, alavancando a popularidade do console. Por exemplo: só NFL 98 vendeu mais de um milhão31 de cartuchos, quase mesmo número32 de nomes do nível de Sonic 3 e Mortal Kombat 3.
Segundo Hawkins:
As receitas da EA aumentaram de US$ 78 milhões em 1990 para US$ 113 milhões em 1991, e saltou para US$ 175 milhões em 1992. Nesse ano, só seus jogos no Genesis geraram US$ 77 milhões — 18% a mais do que todo o catálogo da empresa havia gerado em 1989. John Madden Football 92 foi o primeiro jogo da EA a criar a tendência de lançamentos a cada ano, e se mostrou um enorme sucesso. Foi o primeiro ano em que os jogos de console da EA venderam mais que para computadores, e em 1993 a disparidade ficaria ainda mais gritante quando a empresa viu um crescimento de 70% , com US$298 milhões feitos só com jogos para consoles.
Com a lucrativa parceria em andamento, a EA acabaria cedendo até às exigências da Nintendo e lançando jogos para NES e SNES. Hawkins considerou23 o episódio de engenharia reversa no Mega Drive seu maior triunfo dentro da EA:
O irônico da história é que os termos sem saída da EA foram um blefe acidental. "O que não sabíamos e só fomos notar mais tarde é que não tínhamos lidado com todas as alternativas", contou Gordon33. "A Sega ainda tinha a possibilidade de nos trancar fora [do Genesis]. Teria sido só um fiasco de relações públicas".
vs Accolade
Para garantir que tudo passaria por seu crivo — e o desenvolvedor teria que se submeter ao regime de exclusividade e outras imposições —, a Sega criou algo mais ou menos similar ao 10NES* da Nintendo: o TMSS. O Trade Mark Security System é um sistema que identifica se o cartucho tem uma pequena parte de código requerida para funcionar; senão, em vez do jogo é carregada a tela vista pouco abaixo. Era bem mais simples que o 10NES, mas suficiente para validar uma ação judicial contra violadores. O sistema passou a fazer parte do Genesis e Mega Drive nos lotes fabricados a partir de 1991.
Softhouses escaldadas por anos de relação com a Nintendo protestaram. A Accolade entrou numa batalha judicial com a Sega29 ao ser acusada de violar o TMSS. Ao recusar os termos da Sega, a empresa optou por descompilar o código de jogos que tinham a licença, e usar a parte que precisavam para "enganar" o sistema em seus próprios jogos. Para lançar os jogos ilegais, criaram uma pequena subsidiária chamada Ballistix. O designer Mark Lorenzan liderou uma equipe de engenheiros da Accolade que compraram um Genesis e três cartuchos, então conectaram o console a um computador para obter e investigar o código dos jogos30. Buscaram por sequências idênticas nos três — por dedução, partes que conteriam as instruções que desativam qualquer segurança básica colocada no sistema. As informações foram usadas para criar um tipo de "manual de desenvolvimento" para o Genesis.
O primeiro jogo não-autorizado da Accolade foi Ishido: The Way of the Stones. Mas quando os novos Genesis com TMSS saíram, jogos feitos antes deixaram de funcionar. A Sega demonstrou isso exatamente com Ishido durante a Winter CES de 1991.
A Accolade voltou aos testes com a nova versão do Genesis e conseguiu superar a proteção, mas para tal, tinham que inserir no cabeçalho do código de seus jogos um trecho que tinha a palavra "SEGA". Era o que a Sega queria: o TMSS podia ser facilmente contornado imprimindo o nome deles em certas partes do jogo. Quando os primeiros jogos pós-TMSS foram lançados pela Accolade (Turrican, Mike Ditka Power Football, Onslaught, Star Control e Hardball), a Sega imediatamente os examinou. Todos, com exceção de Onslaught, funcionavam no Genesis protegido, e portanto, estavam violando o TMSS. Onslaught só não funcionou porque havia um erro no código e a palavra SEGA estava no lugar errado — mas também estava lá.
Entre outubro e novembro de 1991 a Sega processou a Accolade por violações de marca comercial, direito autoral e concorrência desleal. A Accolade processou a Sega de volta alegando danos à reputação da empresa e uso justo. Em primeira instância a Sega ganhou em todas as disputas; a justiça obrigava a Accolade a recolher jogos das prateleiras em até dez dias, além de interromper qualquer tentativa de continuar violando as proteções da Sega e foram proibidos de lançar jogos ilegais ainda não lançados.
A Accolade recorreu e conseguiu reverter logo a decisão do recolhimento dos cartuchos. Em agosto de 1992, o juizado de apelações decidiu que a engenharia reversa se encaixava em uso justo quando houvesse "uma razão legítima". Também decidiram que a Sega estava errada em colocar sua marca registrada num modo que qualquer tentativa de uso do código, mesmo em fair use, ficasse caracterizada em violação. Sem uma vitória total para nenhum dos lados, as empresas fizeram um acordo em abril de 1993. A Accolade virou licenciada: teriam que lançar ao menos cinco jogos para o Genesis para cada jogo que produzissem para outras empresas. O resultado é que acabaram produzindo jogos muito fracos para cumprir o contrato.
Mesmo não empurrando a tática goela abaixo dos parceiros, a Sega manteve o TMSS, que serviu para tentar conter o uso de software pirata, especialmente vindos do Taiwan: o país asiático, não-signatário de acordos antipirataria, era berço de hackers que alteravam os jogos e removiam os créditos.
Jogos de luta
Os dois maiores clássicos dos fighting games da década tiveram papel na disputa Mega Drive x SNES: Street Fighter II e Mortal Kombat.
O SNES recebeu uma versão de Street Fighter II: The World Warrior em 1992, menos de um ano após o original e no meio da comoção que o jogo causou. Foi um grande trunfo da Nintendo, já que o Mega Drive só teria a versão Special Champion Edition em 1993. Nesse intervalo, muitos consumidores indecisos — e ávidos pelo jogo — optaram pelo SNES; foi o cartucho mais vendido do ano.
Como havia grande rivalidade entre fãs da Sega e Nintendo, a demora virou motivo de chacota para donos de Mega Drive. O fato é que a Nintendo tinha relações de longa data com a Capcom, conseguindo a exclusividade temporária, e assim enchendo os cofres reforçados também pelo lançamento de The Legend of Zelda: A Link to the Past. Os dois jogos foram "embaixadores" do sistema em 1992. E outro clássico estava a caminho: Super Mario Kart. Só o lançamento bombástico de Sonic the Hedgehog 2 recolocou a Sega nos eixos.
Se Street Fighter ajudou a Nintendo, Mortal Kombat foi o inverso. O alto nível de violência do arcade, com decapitações, corações arrancados e corpos carbonizados causaram reações indignadas no staff da empresa, que rejeitava tal conteúdo no SNES. Desde o Famicom, o DNA da Nintendo era de personagens universais e mundos de fantasia entre o infantil e o juvenil. MK feria a essência das convicções que moldaram a Big N.
A Sega tentou exclusividade, mas a Acclaim licenciaria para ambas as empresas. Houve uma grande campanha de marketing para o dia 13/09/1993, chamado de "Segunda Mortal" (Mortal Monday). Quatro versões seriam lançadas simultaneamente: SNES, Mega Drive, Game Boy e Game Gear. Quem fizesse a versão mais convincente ganharia pontos com o público e milhões de dólares entre venda de cartuchos e consoles.
A Nintendo não abriu mão de sua política e vetou a violência extrema. No SNES o sangue foi descolorido, e todos as fatalidades grotescas foram substituídas por movimentos menos chocantes. O Mega Drive fez parecido, mas espertamente, incluíram um código secreto (ABACABB) para liberar gráficos mais fiéis aos originais do arcade. Apesar dos gráficos e som inferiores, essa versão fez mais sucesso que a concorrente politicamente correta e desmoralizada. Foi a vez dos fãs da Nintendo serem alvo de chacota. O Mortal Kombat sangrento vendeu muito mais, colocando o Genesis numa posição ainda mais confortável de liderança local.
Para evitar que o jogo chegasse às crianças — ou se livrar da responsabilidade caso acontecesse —, a Sega lançou três meses antes o Videogame Rating Council, sistema classificatório etário. Mortal Kombat levou o selo MA-13 (acima de 13 anos). A partir dali, tinham um padrão para evitar problemas como os ocorridos com The Immortal, Splatterhouse e Stormlord, acusados de exibir material inadequado para crianças. E claro, liberdade para lançar jogos violentos.
Discussões no senado americano
A evolução da tecnologia e violência não preocupava só a Nintendo. Muita gente se perguntava sobre os caminhos que estavam tomando. O vice-presidente da Konami na América, Emil Heidkamp, tinha um acordo36 com o presidente da empresa, Takuya Kozuki, de não ser obrigado a lançar conteúdo muito violento. "Não queria que descêssemos o nível ao mais baixo denominador comum de sangue, nudez e devassidão. Afinal, estamos no negócio de vender entretenimento para crianças. Temos uma certa responsabilidade, não?", contou o executivo em 1992.
Mas não era só dentro da indústria. Políticos notaram que o tempo havia passado e a inocência de Pac-Man também. Mortal Kombat, Night Trap e outros jogos da nova geração eram potencialmente danosos à juventude, na visão deles. A discussão chegou ao senado dos Estados Unidos. Em 09/12/1993 houve um épico embate entre o diretor de marketing e relações-públicas da Sega, Bill White, e o vice-presidente da Nintendo, Howard Lincoln.
O que seria uma discussão sobre crianças expostas a jogos violentos virou um festival de acusações. Lincoln exibiu a capa de Night Trap, do Sega CD, avisando sobre o risco de uma criança poder comprá-lo pois não exibia uma classificação etária. White ligou uma TV e mostrou aos senadores um comparativo das versões de Street Fighter II para SNES e Genesis, acusando a Nintendo de ter jogos tão violentos quanto os da Sega. Lincoln mostrou o Mortal Kombat censurado do SNES e voltou a atacar Night Trap. White espetou de volta dizendo que Night Trap só não estava em máquinas da Nintendo porque a rival não tinha um videogame baseado em CD...
As acusações se multiplicaram. No fim, acertou-se o prazo de um ano para vigorar um sistema regulatório sólido. Caso contrário, o governo tomaria medidas drásticas. O sistema seria para todos e classificaria jogos por faixa etária. A Sega, vilã aos olhos da maioria, ofereceu seu VRC como padrão para todos; algumas desenvolvedoras aceitaram como Atari e 3DO Company, mas a Nintendo, irredutível, nem quis conversar. Na visão deles, a rival era a culpada por todo o imbróglio, e além disso, não chancelariam algo criado pela concorrente.
O VRC vinha sendo alvo de críticas por sua imprecisão e pouco depois foi abolido, dando lugar ao Entertainment Software Rating Board. Administrado por um grupo independente, se tornou o sistema padrão de classificação da indústria de videogames e perdura até hoje.
Sega Virtua Processor
A Nintendo vinha lançando jogos para o SNES com chips adicionais nos cartuchos. Eles davam novas possibilidades aos programadores, como os matemáticos em jogos da série Mega Man, e o Super FX para renderizar polígonos em seu bem-sucedido Star Fox. Para responder à altura, a Sega desenvolveu o SVP, de Sega Virtua Processor. O coprocessador permitia que jogos do Mega Drive tivessem recursos inviáveis de lidar por conta própria, como renderizar alguns milhares de polígonos por segundo, e realizar escala e rotação de pixels.
Baseado num SSP1601 DSP da Samsung, mas com assinatura da Sega, o SVP opera a impressionantes 23 MHz; em comparação, a segunda versão do Super FX operava a 21.4 Mhz, e o original a 10.74 Mhz. O SVP calcula entre 300 e 500 polígonos por frame, a uma taxa de 15 fps. Com isso, consegue renderizar até 6500 polígonos por segundo com um máximo de 16 cores simultâneas na tela. A Nintendo alegava37 que o SFX suportaria até 76 mil polígonos por segundo, o que nunca foi comprovado e soa irreal ao ver suas especificações.
O resultado foi excelente, com uma taxa de animação superior e mais estável que os similares da Nintendo. Virtua Racing, único a usá-lo, foi também o cartucho mais caro produzido em larga escala para o Mega Drive: US$100. A conversão foi feita pela equipe AM2 (que também havia feito o original) sob supervisão de Yu Suzuki. Apesar dos inevitáveis cortes em gráficos, resolução e sons, conseguiram manter as principais características, incluindo um modo para dois jogadores em tela dividida — sem perda evidente de frames.
Foram planejadas versões de Daytona USA e Virtua Fighter, mas o chip encarecia demais o cartucho. O SVP foi descontinuado e as versões deixadas para o 32X e o Saturn.
Sega CD: quase fracasso
Para rivalizar com o PC Engine CD no Japão (que por lá ia muito bem), a Sega secretamente trabalhou num acessório de CD-ROM. Revelado ao público em junho de 1991 e lançado em dezembro, o Mega-CD era conectado ao Mega Drive por sua porta de expansão, aumentando a capacidade de armazenamento e processamento do sistema-base. Com um processador adicional de 12,5 Mhz e usando CDs de até 500 MB, ele abriu caminho para jogos muito maiores, qualidade de áudio superior, além de rodar discos de áudio comuns e CD+G.
O desenvolvimento não foi dos mais simples. A porta de expansão havia sido projetada pensando, claro, em expandir a capacidade do Mega Drive, mas não necessariamente em CDs. "As inspeções funcionais precisavam de uma enorme placa, portanto, a movimentação era sempre problemática", lembrou Ishikawa20. Houve problemas com a leitura de dados pelo cartucho de RAM e a velocidade de leitura dos discos — com jogos chegando a ser interrompidos. Apesar de não estar no time que desenhou o dispositivo, o designer lembra19 das dificuldades:
O começo não foi impressionante: 100 mil unidades vendidas em quatro meses, contra apenas um mês no Japão. Mesmo assim, ele soava como algo inovador e ajudava a reforçar essa imagem da empresa. "Examinamos o produto de CDs da Sega e dissemos 'isso não é muito bom'", disse George Harrison, então diretor de marketing e comunicação corporativa da Nintendo. "Mas quando falávamos com as crianças — que não sabiam nada sobre ele — elas pensavam que era a coisa mais legal do mundo. Ele deu uma verdadeira aura à Sega".
Com tanto espaço para armazenar dados e a qualidade de áudio que o CD proporcionava, o Sega CD atraiu a atenção de outras mídias. Grandes nomes da indústria fonográfica procuraram a Sega. "Fui apresentado a uma grande variedade de caras da música. David Bowie, Thomas Dolby, Todd Rundgren, Vince Neil e vários outros", contou Bayless. "Estavam fascinados com a perspectiva de uma máquina de games que podia tocar música 'de verdade', não aqueles bips que as pessoas pensavam a respeito dos videogames".
Houve também uma onda de títulos em full motion video (com sequências animadas, em desenho ou vídeo). Foram muitos como Mad Dog McCree, Sewer Shark, Tom Cat Alley, Night Trap, Supreme Warrior, Fahrenheit e Corpse Killer. Mas a reduzida paleta de cores do Mega Drive limitava o Sega CD, tornando os gráficos digitalizados lavados, além de ter alto nível de granulação.
Pra piorar, atores eram de péssima qualidade e davam um ar canastrão às produções, tipo filme B. A tática de "requentar" jogos, relançando-os quase iguais aos que já existiam no Mega Drive e enriquecidos por animações em vídeo e áudio aprimorado, também foi criticada — casos de Road Rash CD e Fifa Soccer.
Mas nem tudo foi negativo no Sega CD:
- Lunar: a série com dois capítulos (The Silver Star e Eternal Blue) apareceu recheada de belas animações e diálogos.
- Sonic CD: com novos recursos apresentou os personagens como Metal Sonic e Amy Rose, sendo considerado um dos melhores de toda a franquia Sonic.
- Snatcher: adventure cyberpunk consagrado no PC Engine e segundo jogo criado pelo aclamado Hideo Kojima, foi lançado pela primeira vez para o público ocidental.
- F1 Beyond the Limit: jogo ambicioso feito em parceira com a Fuji TV, apresenta várias cenas da temporada 1993 de Fórmula 1.
- Shining Force CD: versão digna do clássico RPG tático da Sega.
Apesar dos bons jogos, o Sega CD teve alcance inferior ao planejado, atingindo menos de 10% da base instalada da Sega. Séries importantes não apareceram, como Phantasy Star — o RPG foi planejado, mas como o aparelho não ganhava mercado, virou outro capítulo no Mega Drive. Poucas produções usaram recursos avançados, entre eles os cenários em cálculos com fractais de Silpheed e os efeitos de rotação e escala — similares ao chamado Mode 7 do Super Nintendo — em F1 Beyond the Limit e nos bônus de Sonic CD. A minoria dos FMVs rodavam em tela cheia, entre eles Tom Cat Alley e Midnight Riders.
Até 1996, quando a produção já havia sido encerrada, o Sega CD conseguiu vender 2,24 milhões de unidades no mundo38. A Nintendo planejou um dispositivo de CD para o Super Nintendo, chegando a ter negociações com a Philips e a Sony, mas nunca se concretizaram. Vendo o fracasso da investida da Sega, enfim optaram por trabalhar no Project Reality, um novo console usando cartuchos (mais tarde concretizado como o Nintendo 64).
Planetas desalinhados
Em 1994, a Nintendo começou a equilibrar a disputa. Depois do quase fiasco do Sega CD, que passou longe do objetivo no Japão e titubeou no resto do mundo, a Sega trabalhava a todo vapor para manter-se à frente. Havia ao menos dois projetos de hardware importantes. Um era o Projeto Jupiter, um console com processador 32-bit usando cartuchos. O outro era o Projeto Mars, um addon 32-bit para o Mega Drive.
Como a tecnologia de CD já era mais barata que cartuchos, o Jupiter mudou, virando o Saturn. Para a Sega da América, ainda não era a hora de abandonar o Genesis, e muito menos havia necessidade de outro add-on depois do Sega CD. Mas Kalinske havia perdido o apoio antes irrestrito de Nakayama, que não aceitou opiniões e determinou a sequência dos projetos.
Com o Saturn atrasado pelo Mars, sobrou para Joe Miller [biografia], do setor de pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos, terminar aquilo — os americanos, que nem queriam o 32X, não só tiveram que aceitá-lo, como produzi-lo; o Mars virou 32X. Seria uma opção enquanto o Saturn não chegava, aproveitando o intervalo para entreter o pessoal dos 16-bit, que não eram poucos e portanto, grande potencial consumidor.
Com dois processadores de 23 Mhz, 32 mil cores simultâneas, 12 canais de áudio e recursos como escala, rotação e operações 3D, foi um dos hardwares mais mal aproveitados e planejados da história. Lançado nos Estados Unidos com 4 jogos (Doom, Virtua Racing Deluxe, Cosmic Carnage e Star Wars Arcade), teve vendas altas no início, mas logo o público percebeu que não haveria a oferta de games desejada.
Isso porque a Sega, numa atitude desesperada, lançou o Saturn apenas uma semana depois do 32X, antecipando a agenda em quase quatro meses — com o PlayStation anunciado, queriam jogar logo seu console na praça e ganhar terreno, mais ou menos a dinâmica da guerra dos 16-bit. Mas o Genesis teve quase dois anos de folga, e o Saturn teria entre maio e setembro de 1994 para se consolidar e conquistar quem andava encantado com o projeto da Sony.
Acabou sendo uma dupla falha. Além do Saturn não ter jogos para convencer consumidores, ele atropelou o 32X. Entre gastar num acessório para Mega Drive — que muita gente ainda nem tinha e teria que comprar — ou partir para uma plataforma 32-bit realmente nova, a escolha era fácil. Alguns compraram o Saturn, vários outros migraram para o PlayStation ou o Nintendo 64, todos superiores ao confuso 32X. Se não bastasse, por pouco a Sega não fez outra loucura: um híbrido de Mega Drive com 32X, conhecido como Projeto Neptune.
Encurralado, nada restou ao 32X. As expectativas revelaram-se exageradas, jogos mal passavam de versões pouco melhoradas do Mega Drive, com mais cores e uns efeitos especiais. Alguns se salvam, como Virtua Racing Deluxe (que adicionou opções de corrida sobre o original), Mortal Kombat II e com boa vontade, Knuckles' Chaotix.
"Tínhamos um problema de inventário", admitiu Toyoda falando do 32X². "Por trás da cortina, Nakayama queria que vendêssemos um milhão de unidades nos Estados Unidos no primeiro ano. Kalinske e eu dissemos que seria possível apenas 600 mil. Nos demos as mãos num compromisso — 800 mil. No fim do ano, havíamos conseguido despachar estimadas 600 mil unidades, então ficamos com 200 mil no estoque, que tiveram que ser vendidas aos lojistas com um grande desconto para esvaziá-lo".
O trabalho só não foi completamente perdido porque, segundo Ishikawa20, "foi uma boa lição de aprendizado durante o tempo em que eles [a equipe de consoles, Ishikawa estava no setor de arcades na época] estavam começando a pensar em termos de polígonos.
Mesmo com a nova geração presente, os 16-bit ainda eram populares em 1995. Ao menos 64% de todos os gastos com videogame nos Estados Unidos naquele ano foram com eles7. Jogos de sucesso foram lançados como Comix Zone, Fifa 96, Ristar, Beyond Oasis e Vectorman. O Genesis vendeu mais de 2 milhões de unidades, e segundo Kalinske, teria vendido pelo menos 300 mil só no período do Natal.
Mas o comando da Sega no Japão não tinha mais grandes planos na quarta geração.
O fim do Mega Drive
No Japão, o Saturn ia bem como jamais antes um console da Sega; já o 16-bit nunca havia "pegado". Mas nos Estados Unidos a situação era inversa: havia muitos Genesis na mão de jogadores ávidos por lançamentos, enquanto o PlayStation não parecia disposto a ceder um palmo de terreno ao Saturn, numa ascensão meteórica.
Mesmo assim, Nakayama ordenou no fim de 1995 que todos os esforços mundiais da Sega fossem concentrados no Saturn, encerrando imediatamente a linha Mega Drive e seus acessórios. A Nintendo, cautelosa, continuava trabalhando no Project Reality, mas seguiu investindo no SNES: mesmo com o PlayStation na praça, chegaram a ter mais de 40% de participação em 1996, graças ao incrível Donkey Kong Country e ports razoáveis de Street Fighter Zero e Killer Instinct. No limite da transição de tecnologias, ainda era lucrativo desenvolver em 2D, e eles capitalizaram com perfeição sobre o que a Sega ignorou.
Com o Saturn alçado ao estrelato, o Mega Drive teve lançamentos esporádicos a partir de 1996. Mesmo assim surgiram bons jogos e partes finais de franquias importantes, entre eles Ultimate Mortal Kombat 3, Bugs Bunny in Double Trouble, Vectorman 2, FIFA 97, NHL 97, Sonic 3D Blast e NBA Live 97.
As decisões cada vez mais autoritárias do Japão vinham desagradando executivos da Sega americana. Vários nomes cruciais no sucesso do Genesis saíram aos poucos, como Steve Race, Al Nilsen e Madeline Schroeder. Kalinske foi um dos últimos, demitindo-se em 1996. Ele afirmou mais tarde que manter o foco no 16-bit até aquele ano, enquanto o acervo do Saturn crescia e desenvolvedores ficavam confortáveis com o hardware, poderia ter mudado a história:
É difícil explicar com precisão a razão da Sega ter cortado a liberdade da parte americana e concentrado todas as decisões. Ao que parece, orgulho ferido: nunca haviam sido líderes na terra natal, e o Saturn indicava ser o primeiro a consegui-lo. Nakayama tinha respeito pelo retrospecto e as opiniões de Kalinske, e isso teria despertado mágoas e ciúme na equipe japonesa, acumulada por quase cinco anos.
Uma história sobre o Pico contada no livro Console Wars é sintomática. Kalinske viu um protótipo do aparelho e garantiu que, caso o time de design o fizesse custar 100 dólares ao consumidor, seria o "brinquedo do ano" nos Estados Unidos. Quando Nakayama recebeu o Pico finalizado para a última inspeção, soube que o preço sugerido era entre 150 e 200 dólares; o presidente passou a berrar sobre a recomendação do americano não ter sido seguida e destruiu o aparelho sobre sua mesa.
Com o fiasco do Saturn e pouco depois do Dreamcast, a Sega teve prejuízos gigantescos, dilapidando o patrimônio construído no auge do Genesis. O resultado foi o abandono da produção de consoles em 2001, passando a trabalhar com ex-rivais como Sony e Nintendo. Isso fora um investimento multimilionário — coisa de 680 milhões de dólares — a título de doação pessoal do maior acionista e presidente, Isao Okawa, e da posterior fusão com a Sammy.
O Genesis foi produzido nos Estados Unidos pela licenciada Majesco até 1999. O último jogo oficial foi a conversão do arcade Frogger, lançado em 1998 pela Konami.
Vídeo da Historia do Mega Drive:
Referência Pesquisadas:
Site: Memória Bit, A História do Mega Drive, disponível em: https://www.memoriabit.com.br/historia-mega-drive-sega-cd-32x/, acesso dia 26 de abril de 2021.
Site: Youtube, Canal Velberan Games, A história do Mega Drive, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UBy-Cm9QYq4, acesso dia 26 de abril de 2021.
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